A D. Arlete estava ali, junto ao tear, com aquele ar de quem nunca esteve noutro sítio. Não era bem uma questão de estar – era mais uma espécie de permanência natural, como uma pedra no meio do rio. Entre novelos e linhas, cercada pelo que sempre foi dela, olhava para a vida com a serenidade de quem já aprendeu que a pressa só atrapalha.
À sua frente, alguém fazia perguntas. O Telemóvel era um intruso educado, demasiado moderno para aquele cenário, como um carro estacionado dentro de uma capela. A luz da tarde entrava pela janela, filtrada pelos sacos pendurados, que balançavam suavemente, cúmplices da conversa. Ali, tudo tinha o seu ritmo, um compasso próprio, como se o tempo também se deixasse fiar.
O tear de madeira , continuava a sua vigília. Já tinha visto de tudo: dias bons, dias maus, mãos trémulas e mãos certeiras. Sabia que não valia a pena apressar o fio nem a vida. E se falasse, talvez dissesse exatamente isso: que hoje anda tudo acelerado e já ninguém sabe dar à manivela sem estragar o bordado.
Maria José Afonso (Rádio Montalegre)
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